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Ratos de Cidade

Era uma comunidade de ratos de esgoto, nada além disso e nada menos do que isso, apenas ratos de esgoto.

Eram ratos negros, com longas caudas, olhos escuros e que gostavam de se banhar em água suja.

Dona Rita, uma mãe ratazana conhecida pelos canos da cidade, estava prenha pela sétima vez. Não podia sair por um cano que recebia elogios:

– Como sua barriga está linda.

– Sétima vez? Mas você é tão jovem!

– Seus pelos estão tão brilhantes, fez algo diferente?

A beleza dos ratos da cidade.

Em sua sétima gravidez, nasceram sete pequenos filhotes rosas e dona Rita não parava de ser paparicada. Os machos, sentiam vontade de cortejá-la, ao ver tão bela prole, mas dona Rita, que também estava resguardada, se lisonjeava e dizia que pensaria a respeito.

Foi quando o pior aconteceu.

A vergonha.

O arrependimento.

O sétimo filhote da bela ratazana chamada Rita estava desenvolvendo uma pelagem branca!

Dona Rita, do fundo de seu pequeno coração de rata, não sabia o que fazer. Afinal era um rato branco em um emaranhado de canos com ratos pretos.

Ela tentou lavá-lo na água de esgoto, mas não obteve resultados. Tentou colocá-lo num cano de escapamento, mas também nada aconteceu.

Com o tempo, começou a ser uma tarefa árdua esconder seu sétimo filho da sociedade de ratos. Uns perguntavam:

– Você deu a luz a sete filhotes e eu vejo apenas seis. O que aconteceu?

Outras sugeriam:

– Você está escondendo seu macho mais bonito para nos surpreender.

Outros entristeciam:

– Nasceu morto?

A isso, Dona Rita sempre respondia:

– Algo assim. – e prosseguia seu caminho.

Ao chegar em seu lar, após um longo passeio pelos canos de uma casa no subúrbio, Dona Rita descobriu o pior: seu sétimo filho não estava lá.

Temendo pela vida do filho, saiu em disparada para encontrá-lo.

Perguntava as ratas do bueiro se algo estranho havia acontecido e elas respondiam cheias de nojo:

– Um rato branco dos olhos vermelhos passou por aqui.

Perguntava a alguns machos enfurecidos e eles respondiam:

– Um rato branco de olhos vermelhos passou por aqui.

Perguntava à respeitáveis donas de casa, de classe média, que varriam a rua e elas respondiam:

– Um nojento rato branco, com horríveis olhos vermelhos, passou por aqui.

E em seu desespero, continuava a correr, até encontrar o jovem rato branco tremendo num canto, tentando se lavar com água limpa.

– Como você faz uma coisa dessas comigo? Você viu a vergonha que me fez passar? Onde foi que eu errei? O que eu fiz de errado para ter um filho branco dos olhos vermelhos?

Então notou que outros olhos negros, olhos inquisidores, a olhavam.

A vizinhança inteira estava em choque ao saber que o nojento rato branco, cujos olhos eram avermelhados, era seu filho. Uns comentavam:

– Uma rata tão bela e jovem, como foi ter um desgosto desse tamanho?

Outros insultavam:

– Era uma vagabunda!

Mas a maioria queria justiça, acima de tudo:

– Dona Rita, a senhora é uma bela rata, uma rata promissora, mate seu filho.

Dona Rita estava perdida sem saber o que fazer até que a vizinhança se transformou numa população de peste que queria justiça para sua comunidade.

Dona Rita não teve outra escolha a não ser entregar o próprio corpo a morte da multidão que a comia viva juntamente com seu filho e, até hoje, dentre a população de ratos negros, com caudas longas, olhos escuros e que se banham em água de esgoto, quem comenta algo sobre Dona Rita e seu filho branco, morre.

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